NO CAFÉ
Kjell Askildsen (Noruega, 1929)
Uma das últimas vezes que estive num café foi num domingo de verão, lembro-me bem, porque quase todo mundo ia de “mangas de camisa” e com gravata, e pensei: talvez não seja domingo como eu julgava, e o facto de ter pensado exatamente isso, faz com que me lembre.
Sentei-me numa mesa no meio da sala, ao meu redor tinha muitas pessoas tomando acepipes e bolos, mas todas as mesas estavam ocupadas por uma pessoa sozinha. Fazia uma grande impressão de solidão, e como levei muito tempo sem falar com ninguém, não me teria importado trocar umas quantas palavras com alguém. Estive a cogitar um bom momento como o fazer, mas quanto mais estudava as caras ao meu redor, mais difícil me parecia, era como se ninguém tivesse olhar, certamente o mundo mudou para deprimente. Mas já tinha tido a ideia de que seria agradável que alguém me dirigisse um par de palavras, de maneira que, continuei a cismar, pois é o único que serve. Ao cabo de um momento soube o que ia fazer.
Deixei cair a minha carteira ao chão, fingindo não dar por isso. Ficou atirada junto à minha cadeira, completamente visível às pessoas que estavam sentadas perto, e vi que muitas a olhavam de esguelha e à espera. Eu tinha pensado que talvez uma ou duas pessoas se levantariam a recolhê-la e ma dariam, pois sou um velhote, ou pelo menos me gritariam, por exemplo: «Caiu-lhe a carteira». Se uma pessoa deixasse de acalentar esperanças, poupava uma data de deceções. Estive uns quantos minutos a olhar de esguelha e à espera, e no fim fiz como se de repente, tivesse reparado que me tinha caído. Não me atrevi a esperar mais, pois entrou-me medo por se algum daqueles mirones se lançar, de repente, sobre a carteira e desaparecer com ela. Ninguém podia estar completamente seguro de que não contivesse uma data de dinheiro, pois às vezes os velhotes não são pobres, inclusive pode que sejam ricos, assim é o mundo, o que rouba na juventude ou nos melhores anos da sua vida terá a sua recompensa na velhice.
Assim mudaram as pessoas nos cafés, isso sim que o aprendi, aprende-se enquanto se vive, ainda que eu não saiba de que serve tê-lo feito assim, justo antes de morrer.
Tradução: Pilar M.P.
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