NO CABELEIREIRO
Kjell Askildsen (Noruega, 1929)
Há muitos anos que deixei de ir ao cabeleireiro. O mais próximo encontra-se a cinco quarteirões que me resulta bastante longe, inclusive dantes de se partir o corrimão da escada. O pouco cabelo que me cresce posso cortá-lo eu próprio, e lá o faço. Gosto de me olhar ao espelho sem me deprimir demasiado, também corto sempre os cabelos compridos do nariz.
Mas numa ocasião, há menos de um ano, e por razões em que não quero entrar agora, senti-me mais sozinho que do costume e ocorreu-me a ideia de me ir cortar o cabelo, ainda que não o tinha nada comprido.
A verdade, é que me tentei convencer de não ir, o cabeleireiro estava demasiado longe, disse para mim: as tuas pernas já não dão para isso, vai-te custar pelo menos três quartos de hora ir, e outro tanto voltar. Mas de nada serviu. E quê?, respondi-me, tenho tempo a mais, o tempo é o único que me sobra.
De maneira que me vesti e saí à rua. Não tinha exagerado, demorei muito, jamais tinha ouvido falar de ninguém que ande tão devagar como eu, é uma seca, teria preferido ser surdo-mudo. Porque, o que há que mereça ser ouvido?, e porque falar?, quem escuta?, e há alguma coisa mais que dizer? Sim há mais que dizer, mas quem escuta?
Finalmente cheguei. Abri a porta e entrei. Aí, o mundo muda. No cabeleireiro tudo mudou. Só o cabeleireiro é o mesmo. Cumprimentei-o mas não me reconheceu. Apanhei uma decepção, ainda que fingi não dar por isso. Não havia nenhuma vaga livre. Três pessoas estavam a ser barbeadas ou lhes cortavam o cabelo, outras quatro ficavam à espera e não havia nenhuma cadeira livre. Estava muito cansado mas ninguém se levantou. Os que estavam à espera eram jovens de mais, desconheciam o que a velhice é? De maneira que me voltei para a janela e pus-me a olhar para a rua, fazendo como se fosse isso o que eu queria fazer, porque ninguém devia sentir lástima por mim. Aceito a cortesia, mas a compaixão podem guardá-la para os animais.
Com frequência, com muita mesmo, bem é certo que já há muito tempo, ainda que o mundo não se tem tornado mais humano, pois não? costumava reparar nalguns jovens, eles passavam por cima de pessoas prostradas no passeio mas quando viam um gato ou um cão ferido, então, os seus corações transbordavam compaixão. “Pobre cãozinho” diziam ou “coitadinho do gatinho” Está ferido? ¿Ai, sim, há muitos amantes dos animais!
Por sorte, não tive que estar de pé mais de cinco minutos, e poder-me sentar foi um alívio. Mas ninguém falava. Dantes, em outros tempos, o mundo tanto o longínquo como o próximo levava-se até ao interior do cabeleireiro. Agora reinava o silêncio, tinha feito o passeio em vão, não havia já nenhum mundo do que falarmos.
Assim, pouco depois, levantei-me e fui-me embora. Não tinha nenhum sentido seguir lá. O meu cabelo estava suficientemente curto e além disso, poupei umas coroas, com certeza que me teria custado bastante.
E rompi a andar os muitos milhares de passinhos até casa. Ai, o mundo muda, pensei. E estende-se o silêncio. É hora já de morrer.Tradução: Pilar M.P.
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