segunda-feira, 15 de dezembro de 2014

Águas de março análise_do_poema

Águas de Março

(Tom Jobim)

É pau, é pedra
É o fim do caminho
É um resto de toco
É um pouco sozinho
É um caco de vidro
É a vida, é o sol
É a noite, é a morte
É um laço, é o anzol
É peroba no campo
É o nó da madeira
Caingá candeia
É o matita pereira
É madeira de vento
Tombo da ribanceira
É o mistério profundo
É o queira ou não queira
É o vento ventando
É o fim da ladeira
É a viga, é o vão
Festa da cumeeira
É a chuva chovendo
É conversa ribeira
Das águas de março
É o fim da canseira
É o pé, é o chão
É a marcha estradeira
Passarinho na mão
Pedra de atiradeira
É uma ave no céu
É uma ave no chão
É um regato, é uma fonte
É um pedaço de pão
É o fundo do poço
É o fim do caminho
No rosto um desgosto
É um pouco sozinho
É um estepe, é um prego
É uma conta, é um conto
É um pingo pingando
É uma ponta, é um ponto
É um peixe, é um gesto
É uma prata brilhando
É a luz da manhã
É o tijolo chegando
É a lenha, é o dia
É o fim da picada
É a garrafa de cana
O estilhaço na estrada
É o projeto da casa
É o corpo na cama
É o carro enguiçado
É a lama, é a lama
É um passo, é uma ponte
É um sapo, é uma rã
É um resto de mato
Na luz da manhã
São as águas de março fechando o verão
É a promessa de vida no teu coração
É pau, é pedra
É o fim do caminho
É um resto de toco
É um pouco sozinho
É uma cobra, é um pau
É João, é José
É um espinho na mão
É um corte no pé
São as águas de março fechando o verão
É a promessa de vida no teu coração
É um passo, é uma ponte

É um sapo, é uma rã
É um belo horizonte
É uma febre terçã
São as águas de março fechando o verão
É a promessa de vida no teu coração




Chega dezembro e com ele vêm o natal, o reveillon, as férias, depois o carnaval... Na verdade, o ano seguinte só se inicia mesmo depois de encerradas as folias populares. Nada melhor que uma boa enxurrada para varrer as cinzas do ano anterior e então começar vida nova. Nada melhor que as refrescantes águas de março, que esfriam nossa cabeça para enfrentar mais um ano de luta... É verdade que, em cidades como São Paulo, com problemas tão graves como os de saneamento básico, essas águas são muitas vezes sinônimo de enchente, caos e até mesmo de morte. Mas isso não é culpa da natureza: cabe à cultura (no caso, aos administradores públicos, urbanistas e engenheiros) proteger os homens.
Certamente não eram as chuvas paulistas que Tom Jobim tinha em mente quando compôs "Águas de março". 
"É pau, é pedra, é o fim do caminho
é um resto de toco, é um pouco sozinho
é um caco de vidro, é a vida, é o sol
é a noite, é a morte, é um laço, é o anzol
é peroba do campo, é o nó da madeira
caingá, candeia, é o Matita Pereira..." 

O que temos aqui? Eu diria que um conjunto de elementos que lembram uma paisagem não urbana propriamente: pau, pedra, toco, a  HYPERLINK "javascript:void(0);" solidão, peroba, nó de madeira etc. São elementos de um contexto mais natural, onde quase não se sente a ação do homem. O "quase" que eu disse vai por conta dos seguintes objetos: caco de vidro, elemento que implica fabrico, tecnologia; candeia, objeto rústico para iluminação, a indicar, no entanto, que esse lugar tomado pelas águas de março não tem luz elétrica; e anzol, que, apesar de artefato humano, tem a ver com uma forma primitiva de relação com a natureza, ou seja, a pesca, favorecida decerto em tempos mais chuvosos, em que os rios ficam cheios. Índices de uma cultura mais ligada à natureza são ainda a referência a  HYPERLINK "javascript:void(0);" caingás, bem como pela referência ao  HYPERLINK "javascript:void(0);" matita pereira. Como vocês podem percerber, estamos a léguas dos centros urbanos, num espaço onde ainda vigoram lendas, personagens folclóricas, populações pré-modernas, como os índios, e onde são enfatizados os ciclos naturais, vida e morte, sol e noite:
"é um caco de vidro, é a vida, é o sol,
é a noite, é a morte, é um laço, é o anzol."
A letra de Tom Jobim é basicamente descritiva, repertoriando uma série de elementos que visam construir a atmosfera desencadeada pelas chuvas num ambiente mais rural. Sendo descritiva, não conta com uma progressão dramática, um desfecho. Essa estrutura descritiva é enfatizada pela reiteração intensa do verbo "ser", um verbo que serve, entre outras coisas, para dar atributo, qualidade a algo. Mas talvez esse verbo tenha um sentido algo ambíguo aqui. A letra já se inicia  HYPERLINK "javascript:void(0);" sem mencionar o sujeito a que se liga o verbo.
"É pau, é pedra, é o fim do caminho", e assim até o fim, com variação dos predicativos. Imaginamos que o que é pau, o que é pedra "é" as águas de março. Ou seja, "águas de março" significa pau, pedra, peroba do campo e tudo mais. Como dissemos, trata-se de representar a atmosfera úmida de março. Chegamos quase a sentir o cheiro da madeira molhada, a imaginar o corpo se refrescando (é o fim da canseira, como diz a letra). Mas, se é assim, por que o verbo "ser" não está no plural, para concordar com "águas", no plural? Podemos cogitar alguns motivos: convenhamos que repetir "são" a todo o instante ficaria um pouco exaustivo. Seria são pra lá, são pra cá, são acolá. A forma "é" está muito mais na ponta da língua, o que dá bem mais agilidade à música; além disso, o sujeito, "águas de março", é mais lógico do que sintático. Ele figura no título da canção, mas não na letra, pelo menos até quase o fim. "Águas de março" é o pressuposto do texto, mas não está estruturado nele sintaticamente. O título serve aqui para indicar o objeto de que se está falando. Por tudo isso, a concordância no singular é mais do que legítima. Tanto é assim que Tom Jobim, que não era bobo, coloca bonitinho o verbo "ser" no plural quando a expressão "águas de março" vem, no finzinho da canção, literalmente reproduzida no corpo do texto, passando de idéia de fundo a elemento de estrutura sintática, ou seja, passando de sujeito lógico a sujeito sintático:
"são as águas de março fechando o verão
é a promessa de vida no teu coração. "
A concordância no plural tem o efeito de um resumo: todos os elementos relacionados nesse texto são, formam as águas de março. Note-se, no entanto, que o verbo no singular retorna: "é a promessa de vida". É como se se quisesse dar mais peso agora à "promessa de vida" do que às águas de março. O que importa mais agora é a promessa de vida. Mas você pode perguntar: isso também não se aplica ao resto da letra? Não poderíamos dizer que a letra quis mais enfatizar os elementos, os aspectos vitais ligados às águas de março, daí ter usado o verbo no singular? É possível. Há em toda a composição de Tom Jobim um apego a elementos variados, há mesmo uma espécie de desejo de fazer o inventário de um mundo já meio fantástico para nós, homens urbanos, para quem saci e índio têm algo em comum: a inexistência, o serem coisas do passado. Esse estilo de inventário acaba como que dando relevo ao detalhe, mas sem prejuízo de dar conta do conjunto. Tudo isso é banhado pelas águas de março, que fecham o verão. Notemos ainda que os elementos ligados à ação do homem vão aumentando ao longo da canção:
"É um estrepe, é um prego,
é uma conta, é um conto
...
é o carro enguiçado, é a lama, é a lama."
Ora, a palavra "projeto" é bastante ligada ao plano da cultura. A natureza é o lugar do espontâneo, do acaso, que são o oposto do projeto, do cálculo. Já estamos num território não tão primitivo, o que é marcado pelo "carro enguiçado" na lama. Trata-se de um mundo entre a natureza e a cultura. Natural o bastante para que não tenha calçamento e fazer veículos atolarem e culturalmente modificado com a presença de carros e casas. É um mundo intermediário, de lama e de projeto, e onde a chuva cai como uma bênção. O projeto, no entanto, respeita o ciclo natural: só é possível começar de fato a construção da casa ("é o tijolo chegando") quando cessarem as chuvas. Com a terra seca e o outono, então uma nova vida pode lançar as bases. Mas infelizmente nós, paulistas, temos de rezar para que as águas de março não sejam promessa de morte e de desapropriação. 

Antonio Carlos Jobim

Maestro, compositor refinado e letrista, Antonio Carlos Brasileiro de Almeida Jobim é autor de inúmeras canções, como "Wave" (1969), "Águas de março" (1972), "Passarim"(1985), "Sabiá" (1968), esta última feita em parceria com Chico Buarque. Um de seus primeiros trabalhos foi na gravadora Continental, onde reproduzia na pauta as melodias de compositores que não conheciam teoria musical. Em 1952, passa a fazer arranjos para as gravações. Nesse mesmo ano, sua carreira é impulsionada com a divulgação do samba "Faz uma semana", composto com João Stockler e interpretado por Ernani Filho. De 1953 data a gravação de suas primeiras músicas, entre elas "Teresa da praia" (com Billy Blanco), interpretada por Dick Farney e Lúcio Alves. O LP Canção do amor demais, de Elisete Cardoso (1958), considerado um marco na música brasileira, trazia várias composições de Tom e Vinícius de Morais e antecipava a bossa nova em vários aspectos. A música "Samba de uma nota só" (com Newton Mendonça) torna-se internacionalmente conhecida na interpretação de cantores como Ella Fitzgerald e Frank Sinatra. Tendo como parceiro Vinícius de Morais, ele escreveu um dos maiores sucessos de sua carreira, "Garota de Ipanema" (1962). Compõe para cinema, TV e lança vários álbuns. Falece em 8 de dezembro de 1994 de parada cardíaca.
 HYPERLINK "http://www.tvcultura.com.br/aloescola/literatura/poesias/tomjobim_aguasdemarco.htm" http://www.tvcultura.com.br/aloescola/literatura/poesias/tomjobim_aguasdemarco.htm

 O que fica na terra de uma árvore que se cortou quase rente.
 Árvore.
 Um personagem do folclore amazónico o nome certo é matinta pereira.
Conta a lenda, que à noite, um assobio agudo perturba o sono das pessoas e assusta as crianças, ocasião em que o dono da casa deve prometer tabaco ou fumo. Ao ouvir durante a noite, nas imediações da casa, um estridente assobio, o morador diz: - Matinta, pode passar amanhã aqui para pegar seu tabaco. No dia seguinte uma velha aparece na residência onde a promessa foi feita, a fim de apanhar o fumo. A velha é uma pessoa do lugar que carregaria a maldição de 'virar' Matinta Perera, ou seja, à noite transformar-se neste ser indescritível que assombra as pessoas. A Matinta Perera pode ser de dois tipos: com asa e sem asa. A que tem asa pode transformar-se em pássaro e voar nas cercanias do lugar onde mora. A que não tem, anda sempre com um pássaro, considerado agourento, e identificado como sendo 'rasga-mortalha'. Dizem que a Matinta, quando está para morrer, pergunta:' Quem quer? Quem quer?' Se alguém responder 'eu quero', pensando em se tratar de alguma herança de dinheiro ou jóias, recebe na verdade a sina de 'virar' Matinta Perera.
 Canhao, desfiladeiro.
 Quando o madeiramento para colocar o telhado fica inteiramente armado é a oportunidade de fazer a Festa da Cumeeira. Ramos e palmas são amarrados em várias partes salientes do madeiramento, os operários, quando menos, pedem as cervejas comemorativas se o proprietário não deseja festejar com desafogo.
 Fora do comum, absurdo.
 Varado.



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